“Muitas vezes é o egoísmo, não o heroísmo, que move mães a tomarem o lugar do pai.”


Fonte:   https://7uvw.xyz/ladodireitodaequidade/igualistas/daniele-crocetti/muitas-egoismo-heroismo-move-maes-tomarem/  

– Daniele Biondo Crocetti, advogada e mãe, 2016.

Daniele Crocetti:

E aí, mulheres e mães, tudo bem? Hoje o assunto é complicado, mas necessário. Não são raras as vezes em que recebo questionamentos de mulheres que pretendem deletar o pai da vida de seus filhos. Digo pai e não figura paterna porque uma coisa é certa, pais biológicos, pelo menos enquanto a ciência não mudar isso, todo ser humano só possui dois, uma mãe e um pai.

Pois bem, já me questionaram se podem entregar seus filhos em adoção a parentes para que o pai não tenha nenhum direito sobre a criança, se podem registrar em nome de um tio, primo, padrinho ou coisa que o valha a fim de afastar o pai, se poderiam mudar de cidade, estado, país para que o filho não conhecesse o pai, se a resistência da criança em ir com o pai seria um argumento para tirar-lhe as visitas. Tais condutas consistem erros graves, passíveis de reversão de guarda e muito próximos da criminalização, uma vez que já existe projeto de lei nesse sentido tramitando no Congresso Nacional.

Como já dissemos semana passada, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante a toda criança o direito de ser criado e educado no seio de sua família e assegura a convivência familiar. Isso quer dizer que toda criança tem direito ao convívio com a mãe e com o pai, bem como, com suas respectivas famílias e o dever de garantir isso à criança é de quem detém a guarda e a responsabilidade sobre ela.

Vivi recentemente uma experiência que deveria ser comum para a Daniele Advogada, mas que fez a Daniele Mãe refletir muito. Sempre trabalhei em prol do bem-estar da criança, por isso sempre defendo que o convívio estendido com o pai, além dos finais de semana a cada 15 dias é extremamente importante para o seu desenvolvimento. Muitas vezes, não há heroísmo em mulheres que se apossam do papel de pai e sim egoísmo. Não é que os pais não queiram estar presentes, eles simplesmente desistem de tanta sabotagem que sofrem e isso é muito comum, que o diga meus 10 anos de experiência.

Por isso pergunto, quem nasceu primeiro? A sabotagem no convívio entre pai e filhos ou o abandono afetivo? Explico. No momento da separação ou ainda enquanto a mágoa, o ódio, o sentimento de traição e abandono ainda estão ali, é muito difícil separar a relação homem-mulher da relação pai-filho e porque? Isso é uma construção cultural que nos faz pensar que os filhos são extensões de nós mesmas e que se o homem não nos ama, não precisa amar nossos filhos. Se foi embora, não precisa amar mais ninguém. Aqui não vale os que realmente somem. Desses falaremos posteriormente.

O convívio com os filhos vai sofrendo interferências, tornando desagradável e desconfortável o momento em que o filho é entregue. Muitos pais lutam com unhas e dentes em ações judiciais sucessivas e intermináveis, outros nomeiam familiares para mediar o conflito e outros decidem dar tempo ao tempo, mas enquanto dão esse tempo, casam-se de novo, têm outros filhos. Você esqueceu, você melhorou, já está até em outra e quem perdeu? Seu(s) filho(s). A fila andou para todo mundo, menos para eles, que ficaram sem o convívio com o pai e sabe lá quando esse vínculo será reconstruído, isso se for.

Pai é essencial. Pai é indispensável. E a experiência que trago hoje foi vivida na Vara de Menores em Conflito com a Lei. Para serem ouvidos, cinco menores. Apenas um, um desses menores contava com a presença do pai e da mãe para a tomada de seu depoimento. Os outros, só com as mães. Sozinhas vivendo aquele pesadelo. Meninos órfãos de pais vivos.

Ao conversar com essas mulheres, descobri que apenas em um dos casos o pai era alcoólatra e pouco presente, nos demais casos, os pais biológicos desconheciam a  existência daqueles meninos. Eles são ausentes, não porque não ficaram, mas porque, para eles aqueles meninos sequer existem.

Na audiência que participei o único pai que compareceu teve sua paternidade confrontada pelo Juiz. O Juiz questionou porque ele não levava o filho para trabalhar com ele, porque não buscava saber mais da vida e do comportamento do filho, de como ia na escola. O que o pai fez? Num primeiro momento culpou a mãe, alegando que são separados e que ele mora com ela. O Juiz? Mandou: “o Senhor se separou da mãe e não dos filhos, seja mais responsável. O pai é o modelo na vida do filho.”

Esse homem saiu de lá chorando muito. O que quero dizer é que no momento em que um filho passa por uma dificuldade, uma doença, qualquer sofrimento, a única pessoa que terá uma noção do que a mãe sente é o pai. Independente da proximidade, os instintos da paternidade afloram. E nesses momentos, todo aquele heroísmo pregado pelo “mãe solteira, mãe guerreira” cai por terra por que a culpa da mãe será proporcional aos impedimentos que o pai sofreu no convívio com os filhos.

Por isso o meu conselho é sempre no sentido de que, nunca é tarde para recomeçar, ou seja, compartilhar os filhos é um ato de amor por eles. Não interessa se essa vontade de estar na vida da criança surja ainda na gestação ou anos depois. Criança precisa de mãe e de pai, por isso a Lei determina que a guarda deve ser compartilhada e a convivência estendida e equilibrada. Se seu filho terá um pai presente a partir dos seis, doze ou quinze anos de idade, ainda é muito melhor do que não ter pai presente em nenhum momento da vida.

Quem sabe se tivessem convívio paterno adequado, aqueles meninos tivessem melhores exemplos, fossem mais felizes, tivessem mais interesse em estudar? Quem sabe se as obrigações com os filhos pudessem ser compartilhadas essas mulheres não vivessem tão sobrecarregadas a ponto de não conseguirem dar conta de saber se esses filhos estão na escola, quem são suas companhias e do que se ocupam. Tenham em mente, infelizmente ninguém culpa quem está ausente. O culpado é sempre aquele que estava ali, o tempo todo, tomando conta de tudo e está tão exausta que não consegue ver o que está acontecendo.

A reflexão, ao final é a seguinte: não se permitam cair em uma situação dessas sozinhas, ou em qualquer outra dificuldade com seus filhos se os pais deles demonstram interesse em participar da vida deles. Exijam os deveres, mas não dificultem os direitos. Ter pai e crescer com o pai é muito bom, só fará bem aos seus filhos. Não deponham contra sua própria capacidade de escolha, afinal, quem escolheu esse pai para o(s) seu(s) filhos? Certamente não foram eles. Foi você. Você acreditou em algo de bom vindo daquela pessoa.

Guarda compartilhada, regulamentação do direito de convivência e diretrizes desse convívio dão segurança à criança e são necessárias para todos os envolvidos.  Filhos são feitos a dois e têm direito a todo o afeto, carinho e proteção e repito, você não pode e nem precisa carregar esse peso sozinha e tomar responsabilidades que não pertencem somente a você.

— Daniele Biondo Crocetti, “Quem nasceu primeiro? O impedimento ou o abandono?”, Mães de Primeira, 14.09.2016. https://maesdeprimeira.wordpress.com/2016/09/14/quem-nasceu-primeiro-o-impedimento-ou-o-abandono/

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