“Dizer que acusação de alienação parental é violência contra mulher é esdrúxulo e sem fundamento.”


Fonte:   https://7uvw.xyz/ladodireitodaequidade/pesquisas/governos/governo-brasileiro/tribunal-de-justica/dizer-que-acusacao-de-alienacao-parental-e-violencia-contra-mulher-e-esdruxulo-e-sem-fundamento/  

– Fernanda Pernambuco, Juíza de Direito titular da 3a Vara de Família e Sucessões de Santo André (SP), e Fernando Valentin, Coordenador Executivo do Observatório da Guarda Compartilhada (OBGC BRASIL), 2017.

Nas últimas semanas se acirrou uma discussão que há algum tempo tem rondado as varas de família e as varas de violência doméstica: Seria a acusação de alienação parental uma nova forma de violência contra mulher?

Dentre os defensores dessa esdrúxula tese se apresentam respeitáveis personagens, protagonistas na digna e necessária causa do combate à violência contra mulher.

Ainda assim, o que se vê, é que os argumentos utilizados para sustentar a hipótese não guardam relação de plausibilidade com dados estatísticos e da prática das varas de família, onde chegam os conflitos e problemas decorrentes do fim das relações amorosas e suas mais variadas implicações jurídicas.

O tema que nos atrai aqui é o da existência de filhos menores de idade quando do fim do relacionamento e a disputa de guarda que pode envolvê-los, em específico, quando essa disputa perde de foco o melhor interesse da criança, para tornar a prole, moeda de troca ou objeto de vingança contra o outro.

Fixamo-nos nas crianças objeto de disputas em processos de dissolução de união estável ou divórcio porque parecem ser elas as mais atingidas pelo fenômeno da alienação e também porque parece ser nesses casos em que se discute se a subtração dos filhos do pai, pela mulher vitima de violência, seria justificável.

Estudo português “Coparentalidade e alienação parental numa amostra de mães / pais portugueses”[1] publicado no Journal of Child and Adolescent Psychology em 2017 revelou que pais e mães casados ou em união de fato registraram níveis de triangulação, conflito e alienação parental melhores do que o de casais divorciados ou separados. Isto é, as práticas de alienação parental, conflitos e disputas são mais freqüentes em casos de separação e divórcio. O estudo realizado nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo com 64 participantes (37 mães e 27 pais) com idades média de 47,8 anos, detectou índices de conflito 7 vezes maiores, e de alienação parental em dobro, em relação ao dos pais casados ou vivendo em união.

Como se vê, o fenômeno da alienação parental é preponderante nos casos de disputa de guarda em divórcios ou dissoluções de união estável dos pais, e é prática repudiada pela legislação brasileira na Lei 12318/10, ao elencar os atos de alienação parental (que incluem desde falar mal de um dos genitores, omitir dados ou fazer campanha de desqualificação do outro até atos mais graves como alterar o domicílio da criança ou fazer falsa denúncia de abusos ou violências) e estipular suas consequências (da advertência, multa ou até mesmo perda da guarda pelo genitor infrator).

Importante consignar que a legislação brasileira é uma das mais modernas do mundo e se baseou na interdisciplinariedade com áreas da pediatria, psicologia e psiquiatria, visando proteger a criança e o adolescente da perniciosa prática da alienação parental, cujas cicatrizes e traumas o menor carregará pelo resto de sua vida.

A atual discussão emerge do projeto de lei (PL 4488/16) de autoria do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, atualmente em tramitação na Câmara Federal, que dispõe em seu parágrafo 1º que caberá pena de detenção de 3 meses a 3 anos a QUEM (grifo nosso) praticar atos de alienação parental.

“Constitui crime contra a criança e o adolescente,QUEM, por ação ou omissão, cometa atos com o intuito de proibir, dificultar ou modificar a convivência com ascendente, descendente ou colaterais, bem como àqueles que a vítima mantenha vínculos de parentalidade de qualquer natureza. Pena – detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos”.

Sem entrar no mérito da efetividade e da necessidade de criminalização da prática da alienação parental, fato é que esse projeto não visa punir a mulher, ou impedir o exercício de direitos pela mulher, mas garantir que todo genitor alienador (seja homem ou mulher) seja criminalmente punido.

Veja-se, o projeto de lei menciona “quem praticar”, ou seja todo aquele que praticar. Como bem sabemos “QUEM” é um pronome interrogativo utilizado gramaticalmente para nos referirmos a pessoas ou coisas personificadas. Ele se refere a terceira pessoal gramatical indicando a pessoa de quem se fala, ao assunto, ou a pessoa. Em português a terceira pessoal gramatical corresponde a “ele” ou “ela” e aos plurais “eles” ou “elas”.O uso do pronome “QUEM” no texto do projeto de lei evidencia claramente que a questão de gênero não é central nesse debate. Ao contrário, o aspecto relevante do projeto é a garantia efetiva dos direitos da criança e do adolescente, violados, por mais essa prática assombrosa de violência contra a infância.

Veja-se que independente da aprovação deste projeto, todo aquele ou aquela que pratica atos de alienação parental se sujeita além das consequências da lei civil especifica a diversos outros crimes do nosso ordenamento jurídico tais como, denunciação caluniosa, desobediência, ou até sequestro de incapaz.

Desqualificar a lei de alienação parental, ignorar a existência do fenômeno ou justificá-lo pela existência de situações de vulnerabilidade da mulher é ignorar a realidade das varas de família e os dados estatísticos que acompanham essa realidade, tratando-se de retrocesso inaceitável e de graves consequências à criança e ao adolescente.

Por primeiro, porque um dos princípios a nortear a análise e mediação dos conflitos familiares que envolvem filhos é separar as questões que envolvem a conjugalidade (e dizem respeito ao casal que se dissolve) das questões que envolvem a parentalidade (e dizem respeito ao exercício do poder parental e o direito do exercício dos afetos entre pais e filhos). Por segundo, porque vários dos argumentos utilizados a justificar o afastamento dos filhos praticados pela mãe, não encontram eco nos dados reais.

Sim, é verdade que a maior parte das violências físicas contra criança ocorrem dentro de casa; mas observe-se que mãe e pai agrediram fisicamente e psicologicamente seus filhos praticamente na mesma proporção em 2014. Assim é que dados do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde[2] indicavam naquele ano, em todo o Brasil, um total de 3.111 agravos de notificação de violências físicas praticadas por pais, e 3.013 praticadas por mães, contra crianças e adolescente de 0 a 19 anos de idade. No tocante as violências psicológicas os dados apontaram os pais como os praticantes desse tipo de violência em 1.987 registros, e as mães em 1.728 deles. Na categoria negligências 7.563 foram praticadas por mães e 4.198 por pais.

O medo do pai estuprador parece não encontrar dados reais tão sólidos para se afirmar. No caso dos estupros os números são ainda chocantes e batem de frente com o senso comum. Costumeiramente ouvimos que o pai é o estuprador por excelência, entretanto, os dados nacionais do SINAN mostraram em 2014 uma outra realidade. Amigos e conhecidos das vítimas (crianças e adolescentes de 0 a 19 anos) responderam por 3.005 registros de estupros, pais por 1.071 registros e mães por 290.

Por fim, tem-se o argumento de que pais levariam vantagem nas disputas judiciais, que é outro argumento totalmente desconectado da realidade. Os dados da Pesquisa Registro Civil do IBGE informavam que em 2014, 65,47% de todos os divórcios encerrados em primeira instância no Brasil foram consensuais e apenas 34,46% foram litigiosos. Cerca de 85,04% das guardas dos filhos menores de idade ficaram com as mães, 5,49% com os pais e 7,52% com ambos os cônjuges[3]. Quando nos concentramos nos dados sobre pagamentos de pensão alimentícia oriundos das declarações de imposto de renda de pessoas físicas, a retórica da vantagem masculina se esvai por completo. Homens pagaram em 2014 um montante total de 13,2 bilhões de reais em pensões alimentícias e mulheres apenas 0,38 bilhões[4].

Num país em que se luta contra a omissão paterna, em que se busca nas varas de família diuturnamente conscientizar pais e mães da importância da participação efetiva dos pais na vida dos filhos, independente do término da relação ou eventuais conflitos dos genitores, é no mínimo irresponsável pregar a possibilidade de uma das partes alienar o filho e subtrair dele a possibilidade de se sujeitar ao afeto de um dos genitores e de sua família estendida.

Nas varas de família o sujeito centro da relação é a criança e são seus interesses que devem ser garantidos. É da criança e do adolescente o direito ao duplo referencial, podendo conviver e receber o patrimônio material, social, psicológico e espiritual de ambos genitores.

As questões de violência contra mulher devem ser duramente combatidas na seara das varas de violência doméstica, mas não podem, por si, servir de atos de vingança sob o falso pretexto de proteção, pela mulher atingida, afastando filhos de seus pais e destruindo o vínculo afetivo entre eles.

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[1] PEREIRA, Marina et al. Coparentalidade e alienação parental numa amostra de mães/pais portugueses. Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente, v. 7, n. 1-2, p. 263-270, 2017.

[2] Cf. dados extraídos do sistema TABNET SINAN, Ministério da Saúde, 2014, tabulados em 26 Ago. 2017.

[3] Cf. dados da Pesquisa Registro Civil, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015, tabulados em 26. Ago. 2017.

[4] Cf. dados da DIRPF Grandes Números, Receita Federal do Brasil, 2014.

– Fernanda Pernambuco e Fernando Valentin, “Alienação parental como violência contra a mulher: quando a ideologia subverte a realidade”, JusBrasil, 28.08.2017. https://obgcbrasil.jusbrasil.com.br/artigos/492770264/alienacao-parental-como-violencia-contra-a-mulher-quando-a-ideologia-subverte-a-realidade

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