
– Eloisa Samy, advogada feminista, 2016.
Correio da Cidadania: O que pensa da atuação do delegado Alessandro Thiers, que começou cuidando do inquérito e conduziu alguns interrogatórios, inclusive o da menina? E como viu sua substituição pela delegada Cristiana Bento?
Eloisa Samy: O delegado Thiers, impregnado pelo machismo e pela misoginia, se revelou absolutamente despreparado, inábil, para lidar com uma vítima de estupro, razão pela qual foi afastado do caso e posteriormente exonerado do cargo.
A condução do caso pela delegada Cristiana Bento mostrou-se muito mais atenta e exigente quanto aos rumos da investigação. É a pessoa certa para presidir essa apuração. O empenho e a correção da delegada Cristiana Bento mostram uma agente a serviço da polícia extremamente dedicada à sua função. A ela, só tenho elogios.
Correio da Cidadania: Um forte debate sobre a “cultura do estupro” eclodiu desde então? Como você a define para o público leitor?
Eloisa Samy: A realidade da violência contra a mulher se desnudou completamente perante a sociedade. O caso da adolescente vítima do estupro coletivo se tornou a síntese de uma violência estrutural que atinge mulheres. Apresentaram-se no caso a violência psicológica, a violência física, a violência sexual, a violência moral e até mesmo a violência institucional, em razão da falta ou inadequação dos serviços públicos que são responsáveis por proteger as vítimas em casos assim.
Correio da Cidadania: Ainda nesse sentido, como analisa a atuação da mídia? Acha que tem feito um papel esclarecedor?
Eloisa Samy: A mídia foi fundamental para dar visibilidade ao caso e abrir a discussão.
Correio da Cidadania: Acredita que a questão de classe, por se tratar de um caso que detém algum vínculo com a cultura do funk carioca e ter ocorrido próximo de uma favela, influenciou na repercussão do ocorrido?
Eloisa Samy: A adolescente não é negra, nem tão pouco periférica. É uma moça da classe média, que residia em um condomínio na Taquara, zona oeste da cidade. A mãe é pensionista e o pai funcionário público aposentado. O único recorte de classe que foi feito nesse caso foi na criminalização da pobreza, uma vez que o crime foi praticado numa favela. Porém, a realidade da violência contra mulheres não tem classe.
O estupro coletivo poderia ter ocorrido em qualquer universidade do país, por exemplo, como já aconteceu em inúmeros outros casos. A diferença é que esses casos não chegaram ao conhecimento da imprensa por alguma razão.
Correio da Cidadania: Como esse brutal acontecimento dialoga com as pautas feministas que têm se colocado nas ruas e debates públicos?
Eloisa Samy: O caso materializou as denúncias feitas pelas feministas e abriu os olhos de uma infinidade de mulheres para a necessidade do debate feminista e de atenção às nossas pautas.
Correio da Cidadania: O que esse caso expõe da sociedade e da realidade brasileiras, também considerando o contexto de grave crise econômica, política, ética e institucional?
Eliosa Samy: Independente de qualquer crise política ou econômica, a violência contra a mulher tem sido, durante muitos anos, produto de uma cultura machista que é reiteradamente jogada para debaixo do tapete. Principalmente, mostrou que a violência contra a mulher não é prioridade para os governos.
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