“O que mais choca em Sartre e Simone de Beauvoir nem é a promiscuidade. É a hipocrisia.”


Fonte:   https://7uvw.xyz/ladodireitodaequidade/eua-pesquisas/choca-sartre-simone-beauvoir-promiscuidade-hipocrisia/  

– Dr. Louis Menand, vencedor do prêmio Pulitzer (2002), Universidade de Harvard, EUA, 2005.

O bicho pegou na Wikipédia depois que a prova do Enem ressuscitou a escritora e filósofa Simone de Beauvoir. Os editores da enciclopédia participativa suspenderam a entrada de novos colaboradores, entre outras coisas, porque diziam que a falecida escritora francesa havia sido pedófila e colaboradora do nazismo.

O texto da prova era um trecho do livro “O Segundo Sexo”, em que Beauvoir escreve que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”.

A escritora foi uma das pessoas mais influentes do movimento feminista na sua época. Uma celebridade especialmente dos anos 50 aos anos 80, juntamente com seu companheiro, o filósofo Jean-Paul Sartre.

O casal era intelectualmente genial, ativo, revolucionário, carismático. Quase uma unanimidade. Até que, em 1990, suas cartas tornaram-se públicas e a biografia de ambos começou a ser melhor estudada. O que emergiu a partir de então foi um lado obscuro e muitas vezes eticamente repugnante.

A feminista Beauvoir, que denunciava que os homens tratavam as mulheres como “objeto”, fazia exatamente o mesmo junto com seu marido. Seduzia suas alunas, preferencialmente entre 16 a 17 anos (muitas vezes em troca de favores acadêmicos ou dinheiro) e, em seguida, as oferecia sexualmente a Sartre. Às vezes envolviam a jovem por um tempo, para depois descartá-la. O casal parecia obcecado, principalmente, em deflorar virgens.

Diga-se, por justiça, que não há nenhum caso de pedofilia (criança) envolvendo qualquer um dos dois, mas o casal defendia a pedofilia. Estavam entre os líderes do movimento que pedia a descriminalização das relações sexuais com menores de 15 anos e chegaram a assinar uma petição pela libertação de pedófilos, pois entendiam que pedofilia não podia ser crime.

Também por justiça deve-se dizer que não existe qualquer prova de colaboracionismo com o nazismo durante a França ocupada. Mas também não participaram da resistência, como os demais intelectuais. Ao contrário, Beauvoir foi diretora de sonoplastia da rádio do regime colaboracionista e Sartre tinha excelente relações com os militares nazistas (até brindava com eles).

Dentro da leitura biográfica atual não sobra muito glamour no casal que, até há pouco tempo, era um mito em todos os sentidos.
Em defesa dos pedófilos

Em janeiro de 1977, três homens foram acusados no Tribunal de Versailles por atentado ao pudor contra menores de 15 anos. Eles se divertiam fazendo sexo com meninos e meninas na faixa de 13 anos e fotografando para exibir depois.

Seus três anos de prisão preventiva desencadearam uma petição pela libertação, publicada no jornal “Le Monde”, assinada por 69 intelectuais. Entre os nomes mais conhecidos estavam Michel Foucault, Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre.

O texto da petição dizia que as crianças foram seduzidas “sem violência” e “consentiram” em fazer sexo e serem fotografadas. E ainda perguntava: “Se uma menina de 13 anos tem o direito de tomar a pílula, é para quê?
Mais tarde, Beauvoir e Sartre também assinaram uma carta aberta, publicada no jornal “Libération”, pedindo que fosse “revogada ou significativamente modificada” a lei sobre estupro que punia quem fizesse sexo com menores de 15 anos. A carta pedia o “reconhecimento do direito de criança e do adolescente para manter relações com as pessoas de sua escolha”.

A influência destes manifestos foi tão grande que logo em seguinte foi fundada na França a FLIP (Front de Libération des Pédophiles), que manifestava solidariedade “a todos os pedófilos presos ou vítimas da psiquiatria oficial” e prometiam lutar contra esta “injustiça penal” a que chamavam de “tirania burguesa”.

Transformando moças em objeto

Simone de Beauvoir e Sartre tinham um relacionamento aberto. Um pacto pelo qual podiam transar com outras pessoas, desde que não desenvolvessem amor e que contassem tudo um ao outro.

Mas Sartre não era muito bom para conquistar mulher. Assumidamente feio (tanto Simone quanto ele próprio o diziam), pouco afeito à higiene pessoal, às vezes despertava asco. Uma jovem a quem ele beijou à força e tentou levar para a cama conseguiu fugir e correu para vomitar no banheiro.

Quem atraía as moças era a linda Simone de Beauvoir. Transava com as jovens e depois as convencia a fazer sexo com Sartre. Seu alvo predileto eram as alunas. Como disse uma destas moças, o casal gostava de “carne fresca”.

Entre beijos e vômitos

A coisa era tão ostensiva que, em 1943, Simone chegou a ter seu direito de lecionar suspenso, por ter seduzido a aluna menor de idade Natalie Sorokine, de 17 anos, filha de um imigrante russo.

Para convencer as jovens, o casal prometia acolhida, educação, dinheiro e muitas mentiras. Faziam juras de amor pela vítima, até elas descobrirem que não eram únicas ou serem simplesmente descartadas.

Por exemplo, para seduzir a jovem aluna Olga Kosakiewicz, cujo pai era imigrante que fora perseguido pela Revolução Russa, Beauvoir a convidou a morar em sua casa. Isto em 1935. Prometeu que cuidaria das suas despesas e da sua educação. Olga teve um caso com Beauvoir, mas se recusou a ficar com Sartre. O empurrava para longe na cama.

Sartre ficou frustrado, mas descontou: em 1937 partiu para cima de Wanda, irmã de Olga, que também havia ido morar com o casal e também era aluna de Beauvoir. Wanda é a moça que vomitou no banheiro após o primeiro beijo de Sartre. Mas ele insistiu e, dois anos depois, conseguiu que ela se tornasse sua amante.

Esta persistência de Sartre só encontra paralelo na sua total falta de tato com as mulheres. E de respeito.

Um caso emblemático é o de Bianca Lamblin, uma jovem de 16 anos, filha de refugiados judeus da Polônia. Aluna de Beauvoir, em 1938, foi seduzida por esta e convencida a também ficar com Sartre. Ela nunca havia ficado com um homem. Quando era conduzida por Sartre ao quarto do hotel, este lhe disse sem qualquer cerimônia: “A camareira do hotel vai ficar surpresa, pois ontem mesmo eu tirei a virgindade de outra menina”.

Bianca ainda foi amante de Sartre por algum tempo, até ser descartada por ele a pedido de Simone. Em suas memórias, publicada nos anos 90, ela desabafou: “A perversidade foi cuidadosamente escondida debaixo do exterior manso e suave de Sartre e da aparência séria e austera do Beauvoir”.

Das amantes do casal, pelo menos uma suicidou-se e outra se transformou em viciada em drogas, segundo a historiadora Carole Saymour-Jones.

Das mentiras à hipocrisia

Um texto devastador sobre Simone de Beauvoir e Sartre foi publicado em 2005, na influente revista “The New Yorker”, por Louis Menand, professor de Harvard, escritor e vencedor do Prêmio Pulitzer de 2002.

Ele comenta que o que mais chocou os leitores com a publicação das cartas do casal “não foi a promiscuidade, mas a hipocrisia”. E acrescenta:

– Em entrevistas, Beauvoir negava categoricamente ter tido relações com mulheres. Nas cartas ela descrevia para Sartre suas noites na cama com mulheres. A correspondência está cheia de comentários depreciativos sobre as pessoas com quem dormiram ou tentaram dormir, embora quando estavam com elas irradiassem interesse e carinho. Sartre, em particular, estava sempre falando para as mulheres do seu amor e devoção, e da sua incapacidade de viver sem elas.

O professor acrescenta que ficou claro que Sartre e Beauvoir detinham as pessoas em sua vida com diferentes degraus de desprezo. E que tinham prazer de contar um ao outro sobre as mentiras que diziam aos demais.

Conforto na França ocupada

A pá de cal na imagem dos dois mitos veio da biografia de Beauvoir e Sartre escrita pela historiadora escocesa Carole Saymour-Jones, lançada no ano passado em livro com o título “Uma Relação Perigosa”.

Além das estripulias sexuais com as moçoilas, Saymour-Jones mexe em um vespeiro ao falar da postura do casal durante o período da Ocupação Alemã na França.

Enquanto a maioria dos intelectuais atuava na Resistência Francesa – aberta ou clandestinamente – e arriscava a vida contra os nazistas, o casal vivia confortavelmente.

Beauvoir trabalhava como diretoria de sonoplastia na Rádio Nacional – a rádio estatal que defendia e fazia propaganda a favor da ocupação nazista.

Sartre, segundo a biógrafa, não hesitou em tomar o posto do professor judeu do Liceu Condorcet, Henri Dreyfus Lefoyer. Mesmo não precisando deste emprego, Sartre o tomou tirando proveito das leis raciais nazistas que proibiam professores judeus de lecionar.

Sartre enviou por vontade própria o texto da sua peça “As Moscas” aos nazistas, antes de ser encenada, para mostrar que não havia “nada de antigermânico” nela. Encenada na noite de 3 de junho de 1943, soldados nazistas uniformizados brindavam à peça, com Sartre retribuindo o brinde dos alemães.

Nada disso, repita-se, é prova de qualquer colaboracionismo de Sartre ou Beauvoir.

Mas causou estranheza aos demais intelectuais da época que estavam combatendo a Ocupação Alemã. Raymond Aron, amigo de Sartre e Beauvoir, chamava os dois de “Resistência do Café de Flore” – referindo-se ao café que foi ponto de encontro chique de intelectuais em Paris.

Comunismo de resultados

Em 1955, Beauvoir e Sartre visitaram a China e a União Soviética. Naquela época, mesmo intelectuais de esquerda já criticavam os excessos destes regimes, que mataram mais de 100 milhões de pessoas.

Mas o casal continuou apoiando pública e ostensivamente os dois regimes.

Sartre havia se tornado amante de uma agente da KGB, Lena Zorin, o que teria influenciado a sua submissão ao regime soviétivo, segundo avaliação da historiadora Saymour-Jones.

Sartre chegou a propor casamento a Zorin, que em seus relatórios da KGB deixou registrado como manipulava Sartre.

Já Simone de Beauvoir, em 1957, publicou o livro “La Longue Marche” (A Longa Marcha), tecendo louvores ao regime de Mao-Tsé Tung na China.

Curiosamente, anos antes Beauvoir havia escrito em uma carta a seu amante americano, o escritor Nelson Algren, que não ia para os EUA ficar com ele porque tinha que atuar na França para combater “as mentiras do comunismo e do anti-comunismo”.

O que mudou em Beauvoir?

Ela mesma admitiu, depois, ao amante Nelson Algren que escreveu o livro em grande parte para receber dinheiro. Fora escrito por encomenda.

E viva o Enem

A questão do Enem 2015 sobre o texto de Simone de Beauvoir foi boa no sentido de poder atualizar a biografia da escritora e do filósofo Sartre no Brasil.

A maior parte do texto deste artigo veio de sites em francês ou inglês.

Não encontrei nenhum estudo acadêmico, no Brasil, sobre a questão e foram raríssimas as postagens sobre o tema, antes da atual polêmica.

Sobre a questão do Enem em si, é curioso que dá a impressão que a frase de Beauvoir foi sobre a moderna discussão da identidade de gênero sexual (opção gay etc), quando na verdade era puramente sobre o feminismo. Tanto que o livro em que consta o trecho chama-se “Segundo Sexo”.

Mas provavelmente a ideia dos autores da questão do Enem foi esta mesma.

O mais curioso é que Beauvoir e Sartre continuem sendo usados, no Brasil, não como incrível referência de grandes intelectuais de um momento histórico, mas como se fossem atuais e moderninhos os seus discursos e ideias tão arcaicos quanto a defesa da pedofilia e do regime soviético.

Como dizia Millôr Fernandes, quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil.

– Aurélio Paiva, “Mulheres-objeto de Sartre e de Simone de Beauvoir”, Diário do Vale, 1.11.2015. http://diariodovale.com.br/colunas/mulheres-objeto-de-sartre-e-de-simone-de-beauvoir/

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