“Depressão na infância atinge mais meninos que meninas.”


Fonte:   https://7uvw.xyz/ladodireitodaequidade/portugal-pesquisas/depressao-infancia-atinge-meninos-meninas/  

– Cláudia Pires de Lima, Depto de Psicologia, Universidade de Coimbra, 2014.

U. de Coimbra:

Embora pouco relatado, o suicídio na infância acontece. Não são conhecidos números em Portugal, mas a terapeuta Cláudia Pires de Lima garante que casos graves de depressão podem ter esse desfecho. Ao Diário dos Açores explica que devido ao facto de as crianças não verem a morte como algo “irreversível”, podem ser criadas fantasias de uma vida melhor após a morte. “Situações de maior stress com as quais a crian- ça não consiga lidar ou famílias com histórico de suicídio são factores de risco que devem manter o alerta para a prevenção”, realça.

Dados estatísticos apontam também que nos adultos os quadros depressivos são mais frequentes nas mulheres. Contudo, o mesmo não acontece na infância. “Ao contrário dos adultos, nas crianças a depressão surge predominantemente em meninos, sendo inferior a taxa de meninas. Com a entrada na adolescência esta tendência inverte-se”, afirma.

Efectivamente, as crianças têm uma percepção da morte muito diferente da dos adultos. Por esse motivo, temos tendência a recear que as elas possam não ser capazes de aceitar ou lidar com a perda de alguém ou de algo que lhes é querido.

Cláudia Pires de Lima, psicóloga e terapeuta familiar, esclarece que, nestes casos, uma comunicação clara facilita o entendimento e “elimina complicações futuras”. Além disso, expressões como “Foi para o céu e tornou-se numa estrela” e “Vai estar sempre a olhar por ti e a protegerte” só devem ser utilizadas após o bom entendimento da criança sobre o facto de ter havido uma perda. “Caso contrário, poderemos estar a criar falsas expectativas que se transformarão em frustração e revolta”, provocando uma depressão na criança.

Ignorada durante muito tempo, essa patologia manifesta-se quando o comportamento curioso e explorador próprio da infância dá lugar ao medo excessivo, apatia, desânimo, cansaço e ao descuido com a sua aparência e com os seus bens (brinquedos e material escolar). Paralelamente, a baixa auto-estima e a falta de confiança nas suas capacidades são também características de quem sofre de depressão, assim como a alteração do sono e do apetite. Segundo a especialista, “a apatia e a falta de energia podem ser, por vezes, tão significativas que a criança tem dificuldades em expressarse, fazendo-o de forma mais comum, através da linguagem corporal (por exemplo, o encolher os ombros ou abanar a cabeça)”.

Para além da morte ou perda de um ente querido, existem outros factores que facilitam o aparecimento de sintomas depressivos numa criança, como o afastamento de familiares e amigos por longos períodos de tempo ou múltiplas vezes (por exemplo divórcio, pais que trabalham longe e têm de se ausentar vários dias, mudança de residência e internamento hospitalar), insucesso escolar, desvalorização por parte das estatísticas parentais, ‘bullying’ e doença prolongada.

Questionada sobre o modo como se comportam as crianças depressivas, a psicóloga admite que, por vezes, o diagnóstico faz-se tardiamente porque são crianças que normalmente não “incomodam”. “É mais fácil acharmos que uma criança não está bem quando o seu comportamento provoca ruído, chama a atenção do adulto em casa e/ou na escola. Uma criança deprimida, por norma, expõe-se menos, interage com menor frequência com outras crianças e refugiase nalgum adulto que lhe dê mais segurança”, explica.

O tratamento para a depressão na infância consiste em terapia e, em casos excepcionais, na utilização de fármacos. Para além disso, é fundamental que os pais participem e apoiem o filho em todo o processo. “Devese dar espaço à família de forma a dissolver dúvidas e mitos e poder definir estratégias que facilitem a recuperação”, defende.

Estreitamente relacionada com essa doença está a ansiedade – patologia que se caracteriza pela presença de medo (medo de perder um ente querido, medo de falhar numa avaliação ou medo da reacção de um adulto), apreensão ou preocupação. Existem, contudo, alguns sintomas físicos que auxiliam a identificá-la, como o batimento cardíaco acelerado, respiração acelerada, sensação de falta de ar, boca seca, tensão muscular, náuseas, dores de barriga e dores de cabeça.

No entanto, embora a ansiedade seja uma parte normal do desenvolvimento das crianças, conforme nos diz Cláudia Pires de Lima, esta pode ser manifestada de forma mais intensa e frequente do que a maioria das crianças/jovens da mesma idade. “Nestes casos, o sofrimento causado pode perturbar o seu bem estar e a sua rotina, bem como comprometer o seu desenvolvimento. É nesta altura em que a ajuda deve ser solicitada”, afirma.

Outra alteração de comportamento que necessita igualmente de ajuda psicológica na infância é a “Perturbação de Oposição e Desafio” que se caracteriza pela teimosia persistente, desinteresse em assumir e cumprir com os compromissos e resistência quando são impostas ordens a cumprir. Constantemente estas crianças põem à prova as regras que são estabelecidas, dificilmente assumem a culpa que possam ter e, por isso, envolvem-se e são motivo para constantes brigas e discussões. Estes comportamentos surgem preferencialmente com adultos ou crianças/jovens com os quais a criança tenha mais à vontade e conheça melhor.

Questionada sobre o que os pais não devem fazer quando são “desafiados” pela criança, a terapeuta defende que “grandes discursos e ‘sermões’ sobre o que está correcto e errado não ajudam, pois estas crianças/jovens sabem perfeitamente distinguir o que está bem e o que está mal. Na terapia com os pais, é fulcral centrarmo-nos naquilo que podem fazer. Treinam-se alguns cenários de forma a que seja mais fácil para os pais poderem reagir de forma assertiva, empática e construtiva, e ser eliminado o factor ‘surpresa’ que os pode deixar sem reacção. Poucas palavras acompanhadas pela atitude adequada, são fulcrais para a terapia ser bem sucedida”.

Nos dias 17 e 18 de Novembro e 13 e 14 de Dezembro, Cláudia Pires de Lima irá ministrar uma formação em Angra do Heroísmo e Ponta Delgada, respectivamente, sobre os planos de intervenção psicológica na infância, onde nessa formação profissional, entre muitas outras que a ForAll – Desenvolvimento Pessoal e Bem-Estar tem promovido no arquipélago, pretende-se abordar estas quatro temáticas (Reacção ao Luto, Depressão, Ansiedade e Comportamentos de Oposição) com o olhar de quem intervém com estas crianças ao nível psicológico. Trata-se, assim, de uma acção que está focada na intervenção profissional abrangendo, não só as crianças, mas todos os que são relevantes para a sua recuperação, com base em planos cientificamente validados pela sua eficácia. Pelo facto de ser muito específica, destina-se exclusivamente a psicólogos e eventualmente também a estudantes de psicologia.

– Sílvia Aguiar, “Depressão na infância atinge mais meninos do que meninas”, Diário dos Açores, 27.10.2014. http://www.forall.pt/?download=Anexo_2_Diario_Acores.pdf

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