“Número de vítimas homens está a aumentar e são muito mais que os que se queixam.”


Fonte:   http://bit.ly/2ipbtXs  

– Elza Pais, Secretária de Estado da Igualdade de Portugal, 2005.

São cada vez mais os homens que se queixam de violência doméstica, representando 15% das participações na GNR e PSP em 2004, segundo o Gabinete Coordenador de Segurança (GCS). A percentagem das vítimas masculinas é idêntica nos meios rurais e urbanos, o que revela uma alteração das mentalidades, defendem autoridades policiais e os técnicos. No ano passado registaram-se 14 959 processos no total, menos 2468 do que em 2003.

“O número de vítimas homens está a aumentar e, provavelmente, são muito mais que os que se queixam”, refere a socióloga Elza Pais, a fazer um doutoramento sobre violência conjugal. De acordo com a socióloga, o homem que admite ser maltratado pelo cônjuge ou companheira ainda é malvisto na sociedade portuguesa. “É preciso ter muita coragem para apresentar queixa por ter sido agredido pela mulher, sobretudo nos meios pequenos”, diz Leonel Carvalho, secretário-geral do GCS.

Apesar da estigmatização social, os técnicos salientam o facto de 2244 homens se terem deslocado às instalações das autoridades policiais, GNR ou PSP, para denunciarem os maus tratos das companheiras, o que revela sinais de mudança. A tendência é para o aumento de denúncias dos maridos e companheiros.

Leonel Carvalho e João Lázaro, secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), salientam também que há muitos casos de homens que resolvem apresentar queixa quando sabem que a mulher abriu um processo contra eles por agressão, verbal ou física. Mas, e atendendo ao testemunho recolhido pelo DN (ver página ao lado), o mesmo se passa quando é o sexo feminino a agredir.

Perfil. Os perfis das vítimas são muito semelhantes, quer sejam do sexo masculino ou feminino. As pessoas que sofrem maus tratos têm entre 30 e 50 anos, estão economicamente e emocionalmente dependentes do agressor e têm problemas de auto-estima e de falta de confiança.

Quanto às motivações ou características que podem potenciar a agressão, as mulheres sofrem de perturbações psicológicas e de comportamento, enquanto que os homens têm problemas de alcoolismo. O álcool surge muitas vezes associado à agressão, mas Conceição Lavadinho, responsável pela Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica, explica a causa principal “é anterior ao consumo. São pessoas que não têm resistência à frustração e qualquer factor de stress as descompensa”.

O GCS regista o total de crimes de violência doméstica participados na GNR e PSP, reunindo todas as queixas judiciais nesta área. Uma segunda conclusão é a de que está a diminuir o número de participações, confirmando a tendência de diminuição de casos denunciados pela APAV. Estes passaram de 7871, em 2003, para 7515 em 2004.

Até ao ano passado, o número de queixas foi sempre aumentando, registando um grande boom em 2002 e 2003 (17 427 participações neste último ano). Daí que a quebra de 2004 – 8453 participações na PSP e 6506 na GNR – seja analisada com alguma surpresa. Leonel Carvalho explica a inversão de números pelo facto de se ter dado uma grande visibilidade a estes casos nos últimos anos. “O que estava escondido apareceu em 2003”, salientou. Por outro lado, acrescenta, houve uma maior sensibilização para o problema, o que poderá ter desincentivado os agressores.

Elza Pais diz não ter “a certeza de que a diminuição de queixas corresponda a uma diminuição de maus tratos”. A mudança nos critérios de registo é uma das hipóteses que apresenta como explicação. Por outro lado, é difícil de provar quantas pessoas foram vítimas de violência psicológica.

As crianças e os idosos representam cinco% das vítimas cada, segundo as queixas na GNR e PSP. Em termos de grau de parentesco da vítima, em 69% dos casos são companheiros ou cônjuges dos agressores e em 11% ex-companheiros, o que prova que as agressões não acabam com a saída das vítimas de casa. Em 6% dos casos as vítimas são os filhos.

Registo. Os dados da GCS englobam alguns dos casos apresentados na APAV e outras estruturas de apoio à vítima, mas é difícil avaliar a verdadeira dimensão do problema. No âmbito do II Plano contra a Violência Doméstica, está a ser criada uma rede de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica (Vdnet), que ligará através da Internet todos os organismos, públicos e privados, que fazem atendimento. Este sistema terá como base uma ficha de atendimento normalizada, que poderá ser consultada e preenchida pelos técnicos envolvidos mediantes códigos de acesso restrito e com garantia de confidencialidade.

Ao mesmo tempo, está a ser preparado o auto de notícia padrão e um formulário de avaliação de risco, a ser preenchido pela PSP e GNR aquando da denúncia de uma situação de violência doméstica. No entanto, estes documentos só serão testados no final do ano.

– Céu Neves, “Homens queixam-se cada vez mais de maus tratos”, Diário de Notícias, 22.02.2005. http://bit.ly/28YiSuo

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