Mães adolescentes são acolhidas e cuidadas. Pais são culpabilizados e desprezados.


Fonte:   http://bit.ly/2ijy3Sj  

– Camilo Vannuchi e Celina Côrtes, IstoÉ, 2006.



Aconteceu. Foi um acidente. Em nove meses, um tsunami colocará de pernas para o ar a vida do casal. A notícia explode feito bomba na sala de visitas. As mães choram, os pais lamentam. Em breve a bronca se transforma em acolhimento. Todos os mimos são para a futura mamãe. É a menina quem pede morangos às duas da manhã e alguém sai correndo para buscar. É a menina quem ganha roupinhas e brinquedos. Durante 38 semanas, todos perguntarão se ela está se sentindo bem e a acompanharão aos exames. O futuro papai ficará em segundo plano. Será pressionado, culpado, muitas vezes obrigado a conciliar os estudos com o trabalho ou mesmo abandonar a escola, para garantir o sustento do rebento inesperado. Decisões serão tomadas sem sua opinião e, muitas vezes, nem para os exames pré-natais o jovem será convidado. Ele quer participar da gestação e promete trocar a vida de moleque por um emprego, mas poucos percebem seu esforço. Poderia ter sumido, como muitos rapazes ainda fazem, ou proposto o aborto, mas preferiu encarar de frente o desafio. Passará de filho de família a pai de família sem ter dado um tempo na vida para ser ele mesmo. “Fui homem para fazer, serei homem para assumir”, decidiu o paulista Enrico Potenza quando a namorada Gisella saiu do banheiro com o teste de gravidez positivo nas mãos. “Tinha 16 anos e achei que havia acabado com minha vida. Agora saio menos de casa e já dou até banho na Isabella sozinho”, conta. Sua filha acabou de completar um ano.

Hoje, nem Enrico nem Gisella trabalham. São os avós que sustentam Isabella. “Não sei o que aconteceria sem a ajuda dos nossos pais. Mas tem hora que os palpites excedem. Se minha filha tem febre, todos querem se intrometer”, reclama Enrico. Os namorados não se casaram. Aliás, romperam o namoro alguns meses atrás. O stress provocado pela novidade contribuiu para que as brigas se intensificassem. “Muitas vezes, os pais adolescentes sentem-se menos ‘homens’ quando não conseguem arrumar trabalho e desempenhar o papel de provedor, o que pode influenciar na separação”, diz a psicóloga Mara Pusch, coordenadora do Projeto de Orientação e Pesquisa da Casa do Adolescente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Casar não é tão importante. O fundamental é que a criança conviva com as estatísticas do pai e da mãe, qualquer que seja a condição civil deles”, sugere a especialista.

Enrico faz parte de um universo não contemplado pelas estatísticas oficiais. Enquanto as meninas que engravidam antes dos 19 anos merecem a atenção de ONGs e políticas públicas, os pais adolescentes permanecem invisíveis. “Nem os recenseadores se preocupam em saber se os meninos são pais, embora façam essa pergunta às mulheres com mais de dez anos”, reclama Jorge Lyra, coordenador do Instituto Papai (Programa de Apoio ao Pai Jovem e Adolescente), do Recife, uma das raras entidades voltadas para esse público. A estimativa, segundo Lyra, é de que pouco mais da metade das mães adolescentes – algo entre 55% e 60% – carrega bebês concebidos por cônjuges com menos de 19 anos. Dessa forma, é possível inferir que cerca de 700 mil adolescentes sejam pais no Brasil – o número de mães ultrapassa 1,2 milhão, segundo o IBGE, o quealcança 15% do total das adolescentes.

De acordo com o Ministério da Saúde, nascem no País cerca de 485 mil crianças por ano filhas de mães com menos de 19 anos. Quase 300 mil – ou 10% do número de nascimentos – teriam pai na mesma faixa etária segundo com a matemática praticada pelo Instituto Papai. “Nossa cultura machista instituiu que o filho é da mãe. Os meninos têm dificuldade em encontrar um papel que não seja apenas o de provedor e, hoje, não têm sequer direito a creche em seu lugar de trabalho”, diz Lyra. Sua bandeira atual é garantir que em todas as maternidades do País o pai possa usufruir do direito de presenciar o parto de seu filho, não cumprido por muitas maternidades. A expectativa é de que a invisibilidade social que acomete o jovem pai seja reduzida com a entrada em vigor, até o fim de agosto, da nova Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens, encampada pelo Ministério da Saúde. Entre outros aspectos, o documento reconhece a escassez de projetos voltados para os pais adolescentes e instrui as equipes de saúde da família a incorporá-los nas discussões referentes à reprodução. “Em geral, eles são contemplados com programas voltados à sexualidade, mas nunca à reprodução”, diz Thereza de Lamare, coordenadora da área de saúde do adolescente e do jovem do Ministério. Em outros países, os pais adolescentes merecem mais atenção. Nos Estados Unidos, no Canadá e na Inglaterra, recebem na própria escola aulas de iniciação a “cuidados infantis”, até como uma forma de mantê-los na escola.

O muro de silêncio que cerca esses garotos é o trilho pelo qual trafega o jornalista Gilberto Amendola no livro Meninos grávidos (Ed. Terceiro Nome, 96 págs., R$ 16), a ser lançado nos próximos dias. “Na maioria das vezes, o adolescente ‘grávido’ é chamado de monstro pelos pais da menina e de idiota pelos próprios pais”, diz. “Ele não existe para os programas públicos de saúde e não tem direito a relaxamento no ano escolar, por exemplo. Muitas vezes, não encontra sequer onde sentar quando acompanha a namorada ao médico, já que a única cadeira disponível é usada pela mãe dela, a companhia preferencial.” O paulista Bruno Costa, 15 anos, compareceu a dois exames de ultra-som e não conseguiu disfarçar o olhar embasbacado quando descobriu uma menina de cinco meses escondida na barriga de Analu Florencio, 16. Sem abandonar o estudo, Bruno foi convidado a trabalhar na empresa do pai e se prepara para assumir maiores responsabilidades assim que possível. “A Melissa vai nascer em dezembro e nada vai faltar. Ela não tem culpa de ter dois pais adolescentes”, diz. Bruno e Analu ainda namoram, mas não moram juntos. Aliás, a data do casamento é outro tema que demonstra o excesso de expectativas a serem administradas. “Minha mãe quer que eu fique solteiro por pelo menos dez anos, enquanto a mãe da Analu acha que a gente deve se casar pouco tempo depois do nascimento”, diz o garoto.

A felicidade de Bruno e Analu com cada movimento do bebê na barriga justifica a decisão por manter a criança. Como na maioria das vezes, o aborto foi uma possibilidade sugerida por uma amiga, rapidamente descartada por Bruno, que o considera uma coisa “abominável”. “As classes mais altas costumam optar pelo aborto, que pode ser feito em clínicas especializadas, e depois mandam os jovens estudar no Exterior”, considera a psicóloga e sexóloga carioca Maria Cristina Milanez Werner, vice-presidente da Associação de Terapia Familiar do Rio de Janeiro. O psiquiatra e psicoterapeuta Flávio Gikovate, de São Paulo, faz coro. “A população mais abastada tende a pensar o filho como um estorvo. O garoto não quer perder a liberdade e a menina não quer abrir mão do corpinho de modelo”, diz. Isso não acontece com tanta freqüência nas classes mais baixas, onde impera, segundo Gikovate, o que ele chama de mentalidade de clã. “As pessoas estão menos voltadas para o próprio umbigo e curtem a idéia de ter crianças em casa. Por isso os avós acabam assumindo. Acolher o jovem pai é algo positivo. O que não pode é terceirizar a responsabilidade”, ensina. Ao assumir o filho Matheus, de dois meses, Lucivan Carvalho, 18 anos, se submete em São Paulo a um trabalho pesado para assegurar o sustento do filho, com um salário de R$ 800 como entregador de jornal. De segunda a segunda, trabalha das 23h às 5h da manhã carregando uma pilha de 300 jornais, que de tão pesada precisa de três pessoas para colocá-la na moto. E lá vai ele, nas madrugadas frias pelas ruas da zona norte de São Paulo, enquanto na pequena casa o esperam o filho e a mulher, Maricélia do Amor Divino, 17 anos.

Judicialmente, a responsabilidade civil sobre filhos de pais adolescentes recai sobre seus avós. Mesmo após os 18 anos, uma eventual ação de alimentos impetrada pela jovem mãe pode ser transferida para os avós paternos, caso o rapaz não tenha condições de arcar com as despesas. O ideal é investir no diálogo e dividir as funções. O carioca Jean Pierre da Silva, por exemplo, virou pai aos 17 anos e conta com a ajuda da família. Não poderia ser diferente, já que o pai dele, Paulo José, também foi pai com a mesma idade. Mesmo assim, sua primeira reação foi de assombro. “Estou ferrado”, resumiu na época. Hoje, o nome do bebê, inspirado no filme O Gladiador, está estampado nas costas do adolescente: Victor Maximus. Guitarrista, Jean Pierre pretende entrar na faculdade de música antes de se casar com Ingrid, o que deve acontecer daqui a um ou dois anos. Por enquanto, foge para a casa dela sempre que pode e acompanha de perto o desenvolvimento do bebê. “No início foi mais difícil. Agora tiramos de letra”, orgulha-se. Quem vive situação semelhante é Marcos Fagner Costa da Silva, 18 anos, que tenta se acostumar com Gustavo, seu filho de 23 dias, que, por enquanto, vive com a mãe, Aline. Os dois namoravam há cinco meses quando a moça engravidou.

comp_pais_07.jpgPara a psicanalista Leda Zancanela, do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo, a paternidade precoce interrompe um conflito natural e saudável que o adolescente costuma vivenciar em relação ao próprio pai, o que torna ainda mais confuso esse momento. “O jovem ainda não se tornou responsável por si mesmo e dele é exigido que se responsabilize por uma segunda e uma terceira pessoa”, analisa.

Quando contou a novidade para um amigo, o paulista Donizet Ribeiro foi aconselhado a se preocupar sobretudo com a questão financeira. “A função do pai ainda é principalmente a de provedor. Eu já estagiava e fiz imediatamente um convênio de saúde para a Renata”, conta ele, pai aos 18 do pequeno Arthur. Hoje, mais da metade de seu salário vai para as despesas com o filho, que mora com a mãe e a avó materna. Em seu caso, isso não significa omissão da família. “Todos jogavam na minha cara que eu deveria ter sido mais cuidadoso e que nós perderíamos a juventude. Mas não fomos expulsos de casa nem obrigados a nos casar. Isso acontecerá quando tivermos condições de arcar também com um aluguel e as despesas da casa”, promete. Hoje, os avós enchem o moleque de presentes. Mas o tratamento dado a Donizet não surpreende. É o típico para a situação. “Para mim, nada. Nunca mais ganhei sequer uma bala”, brinca Donizet.

Mesmo quando a vinda do pequeno é fruto de caso pensado, o impacto da reviravolta não é pequeno. Apaixonado pela baiana Taciara Ribeiro, o carioca Alexandro Proença botou na cabeça que queria ser pai. Os dois sabiam que precisavam usar pílula ou
camisinha, mas deixaram a coisa rolar. Alex ficou feliz quando Taciara contou que estava grávida de dois meses. Parecia não ter se dado conta de que tinha apenas 16 anos, estava desempregado e nem chegara a completar o primeiro grau. “Fazer o quê?”, diz, misturando a alegria de carregar no colo Iago, um ano, com a constatação: “A trabalheira é que deu um susto na gente.” O casal vive com a irmã mais velha de Taciara. O jovem papai vive de bicos, mas não se arrepende: “Estou muito feliz.” Pela ordem natural da vida, filhos são para a vida inteira. Diante do desafio, a felicidade de Alexandro é, pelo menos, um bom começo.

– Camilo Vannuchi e Celina Côrtes, “Meninos pais”, IstoÉ, 9.08.2006. http://bit.ly/29cm2gs

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