“Lei Maria da Penha é usada para vingança e obtenção de benefícios.”


Fonte:   http://bit.ly/2eWYUCc  

– Sandra Fonseca, advogada especialista em processo penal, 2015.

Introdução

A Lei 11.340/2006 foi criada com o objetivo de prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e, prevê Medidas Protetivas com o objetivo de prevenir que a mulher ou as pessoas vulneráveis sejam agredidas por outro membro da família. Entretanto, algumas pessoas têm utilizado dessas medidas como meio de alcançar objetivos que de outra forma não alcançariam, pois são contrários à legislação pertinente.

No presente estudo se aborda o porquê da lei ser conhecida por “Lei Maria da Penha”, um breve histórico, a interferência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a situação atual. Em seguida é feita a abordagem sobre as Medidas Protetivas de urgência, sua disposição legislativa e a problematização.

Utilizar-se-ão dois casos para efeito de pesquisa de campo, com o fim de aprofundar os objetivos.

A lei Maria da Penha

Em data de 22 de setembro de 2006, entrou em vigor a Lei nº 11.340/06, referente à violência doméstica e familiar contra a mulher. Esta lei ficou conhecida como Lei Maria da Penha em virtude da grave violência de que foi vítima Maria da Penha Maia Fernandes: em 29 de maio de 1983, na cidade de Fortaleza, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, enquanto dormia, foi atingida por disparo de espingarda desferido por seu próprio marido. Por força desse disparo, que atingiu a vítima em sua coluna, Maria da Penha ficou paraplégica.” (LIMA, 2014, p. 882)

Foi um relacionamento marcado por agressões praticadas pelo marido contra a esposa e também contra as filhas do casal. Por temor ao temperamento violento do marido e pelas notícias que na época veiculavam na mídia sobre “morte de mulheres que não mais continuavam com relacionamentos”, como o caso Doca Street e o caso Lindomar Castilho, a Sra. Maria da Penha não tomou iniciativa visando à separação do casal (STJ, 2013).

Mas as agressões não se limitaram ao dia 29 de maio de 1983. Passada pouco mais de uma semana, quando já retornara para sua casa, a vítima sofreu novo ataque do marido. Desta feita, quando se banhava, recebeu uma descarga elétrica que, segundo o autor, não seria capaz de produzir-lhe qualquer lesão. Nesse instante entendeu o motivo pelo qual, há algum tempo, o marido utilizava o banheiro das filhas para banhar-se, restando evidente ter sido ele também o mentor dessa segunda agressão.

Embora negasse a autoria do primeiro ataque, pretendendo simular a ocorrência de um assalto à casa onde moravam, as provas obtidas no inquérito policial o incriminavam e se revelaram suficientes para embasar a denúncia, ofertada pelo Ministério Público, no dia 28 de setembro de 1984, perante a 1ª Vara Criminal de Fortaleza.” (CUNHA; PINTO, 2014, p. 27)

O marido da Sra. Maria da Penha (M. A. H. V., colombiano de origem e naturalidade brasileiro), foi julgado pelo Tribunal do Júri e, após recurso e novo julgamento pelo Tribunal do Júri (o qual também interpôs recurso) foi condenado a pena definitiva de dez anos e seis meses de prisão. Em setembro de 2002, passados, portanto, mais de 19 anos da prática do crime, foi ele preso para cumprimento da pena.

Na época do crime (1983) ainda não existia a definição de crime hediondo, trazida pela Lei 8.072/1990 c.c. a Lei 8.930/1994, que prevê um rigor mais severo no cumprimento da pena. Desta forma, foi possível ao condenado a progressão de regime cumprindo pouco mais de dois anos em regime fechado, ou seja, menos de 1/3 (um terço) da pena fixada. (STJ, 2013).

Interferência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 20 de agosto de 1998, recebeu denúncia apresentada pela Sra. Maria da Penha, bem como pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), pelo Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).

Por conta da lentidão do processo, e por envolver grave estupro aos direitos humanos, o caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que publicou o Relatório nº 54/2001, no sentido de que a ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do compromisso assumido pelo Brasil de reagir adequadamente ante a violência doméstica. Cinco anos depois da publicação do referido relatório, com o objetivo de coibir e reprimir a violência doméstica e familiar contra a mulher e superar uma violência há muito arraigada na cultura machista do povo brasileiro, entrou em vigor a Lei nº 11.340/06, que ficou mais conhecida como Lei Maria da Penha.” (LIMA, 2014, p. 883).

O relatório 54/2001 emitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um documento indispensável a quem pretenda se aprofundar no estudo sobre a criação da legislação pertinente a violência contra a mulher no Brasil.

A situação atual

Atualmente a Sra. Maria da Penha é uma das coordenadoras da Associação dos Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), na cidade de Fortaleza, Ceará.

“Por indicação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Maria da Penha recebeu, em fevereiro de 2005, do Senado Federal, o prêmio Mulher Cidadã Bertha Lutz, atribuído àquelas que se destacam na defesa dos direitos das mulheres. No mês de março de 2008, segundo foi amplamente noticiado pela imprensa, o governo do Estado do Ceará concordou com o pagamento em prol de Maria da Penha, a título de indenização, do valor de sessenta mil reais. Atendeu, assim, a recomendação da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, que sugeriu essa reparação, em vista da demora na conclusão do processo-crime que culminou com a condenação do réu M.A.H.V., da desproporção entre o fato e a pena aplicada e, de resto, da total ineficácia de nosso sistema legal que não se mostrou apto a enfrentar essa espécie de violência. A proposta, porém, depende ainda de aprovação da Assembléia Legislativa daquele Estado.” (CUNHA; PINTO, 2014, p. 31)

A Lei Maria da Penha veio disciplinar o regramento constitucional que estabelece a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, conforme dispõe o art. 226, ̕parágrafo 8º da Constituição Federal, tendo a mulher por tutela específica.

As medidas protetivas de urgência

O legislador procurou trazer maior proteção às vítimas de violência doméstica através das medidas protetivas de urgência, conhecidas como “medidas cautelares” ou ainda “medidas de afastamento”.

Assim, a legislação veio a tutelar a mulher vítima de violência física, psicológica, moral, patrimonial e sexual, e ao mesmo tempo, proporcionar amparo legal e condições sociais indispensáveis ao resgate à sua dignidade.

A vítima ao procurar a autoridade policial deve ser informada de seus direitos, entre eles, o direito a requerer as medidas protetivas de urgência previstas nos artigos 22 e 23 da Lei Maria da Penha.

Cabe a autoridade policial, a partir do consentimento da vítima, requerer em seu nome a concessão das medidas protetivas de urgência. Pode também, a vítima requerer tais medidas através de seu advogado e, também o Ministério Público possui legitimidade para requerer tais medidas, conforme dispõe o art. 19 da citada Lei.

Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, decidir sobre as medidas protetivas de urgência, além de deliberar sobre o expediente conforme dispõe o art. 18 da Lei Maria da Penha. “De acordo com a Lei Maria da Penha, os juízes podem determinar a execução de medidas protetivas de urgência para não só assegurar o direito da vítima, mas a sua proteção e de sua família.”(TJMG, 2014).

São medidas protetivas: a) O afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima; b) A proibição do agressor de se aproximar da vítima; c) A proibição do agressor de contactar com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio; d) A obrigação do agressor de dar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios; e) A proteção do patrimônio, através de medidas como bloqueio de contas, indisposição de bens, restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor, prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica.

E ainda, a Lei Maria da Penha: a) Proíbe a aplicação de pena pecuniária, a exemplo de multas e cestas básicas; b) Não permite a entrega da intimação ao agressor pela mulher; c) Determina que a mulher seja notificada de todos os atos processuais, principalmente quando o agressor for preso e quando sair da prisão; d) Determina a possibilidade de prisão em flagrante do agressor; e) Possibilita a prisão preventiva; f) Aumenta em um terço a pena dos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher portadora de deficiência; g) Prevê atendimento por equipe multidisciplinar composta por psicólogo, assistente social, que desenvolvam trabalho de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas voltadas para a vítima e seus familiares.

Problematização

As medidas protetivas são mecanismos de proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar e também tem o objetivo de prevenir contra futuras agressões, porém, essas medidas protetivas também têm sido utilizadas por algumas mulheres, injustamente, como meio de vingança ou para obter benefícios que não alcançariam em consonância com a legislação pátria, fatos que tem gerado injustiças, além de desvirtuar o verdadeiro objetivo para o qual foi criada a referida lei.

É preciso observar que, muitas vezes a pessoa que procura a autoridade policial se dizendo vítima de violência praticada pelo marido, é, tão somente, uma mulher que está vivenciando o fim de um relacionamento com a pessoa que ainda ama e procura um meio de manter vínculos com o ser amado. E noutros tantos casos, é o fim de um relacionamento onde não existe mais o amor, mas apenas o sentimento de posse, o desejo de não ter perdas que são inevitáveis, como ter que compartilhar a guarda ou momentos de visitas dos filhos menores, a divisão de bens contraídos na constância da união ou ainda, deixar de usufruir os bens que o cônjuge ou companheiro já possuía antes do casamento ou união estável.

E se essa pessoa, considerada vulnerável nos termos da Lei Maria da Penha, possui um transtorno de personalidade, ela encontra nas medidas protetivas de urgência um instrumento que irá utilizar para atingir a seu marido ou companheiro.

“As personalidades borderlines costumam lidar muito mal com qualquer tipo de adversidade, especialmente as que envolvem rejeição, desaprovação e/ou abandono, mesmo as imaginadas ou erroneamente percebidas. Sendo assim, é fácil imaginar que os borders, quando se deparam com situações traumáticas, desencadeiam uma reação de estresse mais intensa e abrangente que o esperado. Eles apresentam quadros clínicos de estresse pós – traumático em décima potência; além do mais. Essas reações podem ocorrer em ocasiões nas quais os acontecimentos não foram tão expressivos a ponto de serem considerados traumas de fato. Mas não podemos esquecer que uma pessoa border vive sempre no limite, na borda do copo cheio de água, que a qualquer estímulo pode transbordar. “(SILVA, 2012, p. 30).

E também é necessário observar as psicopatas. Para essas pessoas frias e calculistas, as medidas protetivas são uma verdadeira “arma” contra seus alvos.

“Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros “predadores sociais”, em cujas veias e artérias corre um sangue gélido. Os psicopatas são indivíduos que podem ser encontrados em qualquer raça, cultura, sociedade, credo, sexualidade, ou nível financeiro. Estão infiltrados em todos os meios sociais e profissionais, camuflados de executivos bem-sucedidos, líderes religiosos, trabalhadores, “pais e mães de família”, políticos etc. Certamente, cada um de nós conhece ou conhecerá algumas dessas pessoas durante a sua existência. Muitos já foram manipulados por elas, alguns vivem forçosamente com elas e outros tentam reparar os danos materiais e psicológicos por elas causados.” (SILVA, 2008, p. 37 e 38).

Desta forma, se observa que a Lei Maria da Penha, criada com o nobre objetivo de proteger a parte mais vulnerável da violência doméstica, se não for aplicada corretamente, se desvirtua totalmente de seu objetivo, tornando-se um instrumento para que pessoas normais ou com distúrbios de personalidade alcancem objetivos injustos e de forma desleal.

Estudo de caso

Caso 1

No dia 05 de maio de 2011, a mulher que pretendia se separar do companheiro com quem convivia por cerca de doze anos, ciente de que não poderia continuar morando no imóvel que já pertencia ao companheiro antes de conviver com ele em União Estável, se auto lesionou e procurou a autoridade policial, dizendo que apanhou do companheiro. Mencionou que o filho do casal, na ocasião com nove anos de idade, teria sido a única pessoa que presenciou a agressão e, passados alguns dias, levou o menor para ser ouvido na delegacia de defesa da mulher, e ele disse ter presenciado sua mãe sendo agredida pelo pai.

Com a cópia do boletim de ocorrência, o advogado da mulher propôs ação cautelar civil pleiteando a separação de corpos do casal e requerendo o afastamento do lar do companheiro e a proibição dele se aproximar da requerente, como medidas protetivas de urgência, que foram concedidas pelo juiz de Direito.

Dentro do processo civil as partes chegaram a um acordo quanto ao fim do relacionamento e a mulher concordou em sair da casa e, assim, após quase um ano afastado de sua casa por conta da medida protetiva concedida, o marido pode retornar a morar na casa que sempre lhe pertenceu.

Por outro lado, o processo criminal está em andamento até o presente momento. Ele foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no artigo 129, parágrafo 9º do Código Penal. Na denúncia não foram arroladas testemunhas, apenas foi requerida a oitiva da vítima.

Após a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa que não presenciaram os fatos, mas, testemunharam sobre o comportamento da vítima em outras situações que evidenciaram sua personalidade doentia, o juiz decidiu ouvir o filho do casal que, teria presenciado a agressão e teria confirmado tal fato na fase policial.

Ouvido em juízo o menor disse não ter visto jamais seu pai agredir sua mãe e que teria mentido para a delegada de polícia a pedido de sua mãe, que prometeu a ele um “tênis novo da Nike” para prestar tal depoimento. E mesmo tendo sido insistentemente reperguntado pelo juiz e pelo promotor de justiça que tentaram convencer o menino a dizer que viu o pai agredir sua mãe, o menino manteve firme a sua palavra de que jamais seu pai agrediu sua mãe na sua presença.

Declarando sua dúvida sobre a versão dada pelo menino e pela vítima, o juiz determinou a realização de avaliação psicológica do menino e da vítima, a fim de averiguar a credibilidade de suas declarações. Em vista da deficiência do Estado para realização de tal perícia o processo aguarda até a presente data a sua realização. (Processo Crime nº XXXXX.2011.005165-65/000000-0, 2011).

A possibilidade que a lei concede ao juiz de conceder as medidas protetivas sem ouvir a parte contrária, sem conceder a possibilidade de resposta, além de ferir o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa e também o Princípio da Presunção de Inocência, traz um prejuízo muitas vezes irreparável, porque o processo demora muito até que sejam colhidas as provas e se verifique que a violência alegada pela vítima não ocorreu como por ela narrado. O requerido teve que ir morar em outro lugar, se defender em processo criminal que está em curso até a presente data e só retornou para sua casa porque as partes se compuseram na esfera cível e, a mulher, que inclusive já estava vivendo em união estável e grávida de outro homem por ocasião da audiência no processo cível e na primeira audiência de instrução no processo crime, aceitou sair da casa, caso contrário possivelmente a medida cautelar ainda estaria em vigência.

Na prática, o que se vislumbra é uma total falta de investimento por parte do Estado, que criou a lei, mas não deu suporte para sua aplicação de forma justa. A lei prevê a existência de uma equipe multidisciplinar composta por profissionais como psicólogo e assistente social que desenvolvam trabalho de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas voltadas para a vítima e seus familiares. Na comarca onde ocorreu o fato não existe essa equipe, que, talvez, se existisse e emitisse um parecer sobre a personalidade dos envolvidos, poderia auxiliar ao juiz na análise do caso quando da decisão da concessão das medidas protetivas de urgência requeridas.

Ademais, recentemente foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em conjunto com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o Ministério da Justiça o provimento 3/2015, que entrou em vigor no dia 06 de fevereiro de 2015, determinando que no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, juízes recebam o preso e seu defensor, além de representante do Ministério Público, para decidir se a prisão em flagrante será mantida, convertendo-a em prisão preventiva, ou se irá relaxá-la ou a substituir por uma medida cautelar, é o que se chama de “audiência de guarda”.

O provimento 3/2015 entre seus principais objetivos visa garantir à individualização da decisão do juiz em manter ou não no cárcere a pessoa presa em flagrante e, citado provimento poderia servir como exemplo para os juízes nos casos de concessão de medidas protetivas de urgência previstas pela Lei Maria da Penha, pois se os juízes determinassem a notificação dos possíveis agressores para se apresentarem em juízo no prazo de até 24 (horas) para, somente depois decidirem sobre a concessão das medidas protetivas requeridas, possivelmente haveria decisões mais justas, pois respeitado seria o direito do acusado dar sua versão sobre os fatos e até apontar possíveis provas sobre sua inocência.

Caso 2

No dia 07 de setembro de 2012, possivelmente no intuito de tentar impedir seu ex companheiro de exercer o direito de visitas ao filho do casal (direito que já havia sido reconhecido em ação cível de regulamentação de visitas, onde ficou demonstrado com laudo pericial que a criança era possível vítima de alienação parental praticado pela mãe contra o pai da criança), a mulher procurou a autoridade policial e disse que teria recebido uma ligação telefônica do ex companheiro onde ele a ameaçou de causar mal injusto e grave e, que uma amiga estava ao seu lado no momento da ligação e teria ouvido a ameaça pois o telefone estava no alto falante (viva voz). A autoridade policial, com a autorização da suposta ofendida, pleiteou a concessão de medida protetiva para que, o possível agressor fosse impedido de se aproximar da ex companheira e de sua família, medidas que foram concedidas pelo juiz.

Em 16 de outubro de 2013 foi realizada audiência sem a presença do réu que não foi intimado para o ato e nessa audiência, a mulher, na qualidade de vítima, manifestou seu desejo de representar, dizendo “que este continua a importuná-la, apesar de ciente da Medida Protetiva imposta.” Dada a palavra ao representante do Ministério Público ele requereu a prisão preventiva do ex companheiro, que nesse momento se tornaria réu no processo, denunciado pela suposta prática ao art. 147 c.c. art 61, inc. II, alínea “f”, útima figura, na forma do art. 69, todos do Código Penal. O juiz decretou a prisão preventiva do acusado.

No dia 15 de novembro de 2013, feriado e véspera de final de semana, sem sequer ter recebido a citação do processo crime, o acusado foi preso por policiais que cumpriram o mandado de prisão preventiva e, no dia 18 de novembro que foi o primeiro dia útil após a prisão, a defesa do acusado pleiteou a revogação da prisão preventiva do réu, pedido que foi deferido, sendo revogada a prisão do acusado no dia 19 de novembro de 2013, ficando, portanto, cinco dias preso.

Esse processo continua em andamento, tendo sido ouvidas várias testemunhas que narraram fatos que evidenciam o caráter dissimulado e vingativo da vítima, inclusive, foram ouvidas testemunhas que estavam ao lado do réu quando ele ligou para a vítima no dia dos fatos e comprovaram que ele não ameaçou a vítima, mas teria apenas questionado e reclamado o fato dela o impedir naquele final de semana de exercer sua visita ao menor. (PROCESSO CRIME N. XXXXX06-82.2012.8.26.0156, 2011).

Nesse caso a medida protetiva foi concedida sem que se observasse o histórico dos envolvidos, em especial o processo cível que já havia tramitado e onde consta prova pericial atestando que a criança era possível vítima de alienação parental praticada pela mãe contra o pai da criança. O juiz que decretou as medidas protetivas deixou de observar uma prova técnica importante porque valorizou em demasia a palavra da vítima e o testemunho da amiga da vítima, prestado em solo policial.

“A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro e, ao mesmo tempo, o mais perigoso, manipulável e pouco confiável. Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário.” (LOPES JUNIOR, 2014, p. 690).

E o pior aconteceu nesse processo: a decretação da prisão preventiva do acusado porque a suposta vítima disse que o suposto agressor teria descumprido a medida protetiva, sem descrever qualquer fato ou apontar a data, local e o modo que teria ocorrido tal descumprimento. A vítima simplesmente disse que o réu descumpriu a medida protetiva e, o promotor de justiça com base nessa afirmação requereu a decretação da prisão preventiva que foi deferida pelo juiz.

“Comunicado acerca da inobservância da medida sob comento, poderá o juiz decretar a prisão preventiva do agressor, se entender que a medida extrema é necessária para assegurar a aplicação da lei penal, a garantia da ordem pública ou a investigação e instrução criminal (CPP, arts. 312 e 313, III). À evidência, não deve o juiz proferir sua decisão baseado única e exclusivamente na palavra da vítima e/ou da testemunha objeto da medida. Cabe a ele levar em consideração os demais elementos probatórios, consoante seu livre convencimento motivado. Ademais, para que fique caracterizado o descumprimento da medida, há de ser demonstrado que o acusado se aproximou conscientemente da pessoa com a qual devia evitar o contato. Assim, na hipótese do contato ter sido involuntário, casual, não há falar em descumprimento da medida.” (LIMA, 2014, p. 932).

No presente caso, a possível absolvição no processo criminal não trará de volta ao réu tudo o que ele perdeu com a concessão das medidas cautelares de urgência concedidas pelo juízo, como os momentos que ele tem sido impedido de estar com seu filho e nem apagará de sua lembrança os dias em que esteve preso, em vista da prisão preventiva que foi decretada, pelo que, se concluí que o réu já sofreu prejuízos irreparáveis.

Considerações Finais

O presente trabalho teve por objetivo demonstrar que as medidas protetivas concedidas pela Lei Maria da Penha, em alguns casos, se tornaram instrumentos para alcançar objetivos injustos.

A Lei Maria da Penha veio disciplinar o regramento constitucional que estabelece a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, sua criação foi de suma importância, entretanto, o uso indevido desta lei por algumas mulheres como meio de vingança ou para obter benefícios que não alcançariam em consonância com a legislação pátria tem gerado injustiças, além de desvirtuar o verdadeiro objetivo para o qual foi criada essa lei, gerando, consequentemente, o enfraquecimento da própria lei.

A Lei 11.340/2006 em seus artigos 18 e 19 prevê que o juiz deverá decidir sobre as medidas protetivas de urgência em até 48 (quarenta e oito) horas. Em que pese à importância de que essa decisão seja rápida, haja vista que num caso de real violência doméstica a demora na intervenção do Estado a fim de proteger a vítima poderá colocar em risco sua vida e/ou incolumidade física, essa necessidade de tomada de decisão judicial urgente não pode continuar a dar causa a concessão de medidas protetivas injustas.

Porém, enquanto o Estado não investir para que a lei seja aplicada de forma justa, com o funcionamento de equipe multidisciplinar em todas as Delegacias Especializadas na Defesa da Mulher e nos plantões onde se der o atendimento as vítimas da Lei Maria da Penha e, enquanto os juízes responsáveis pela decisão sobre a concessão das medidas protetivas basearem suas decisões única e exclusivamente na palavra da vítima, os homens continuarão se tornando vítimas de medidas protetivas concedidas injustamente.

No momento, em nosso ordenamento jurídico não há previsão legal para a determinação de oitiva prévia daqueles que são apontados como possíveis agressores nos termos da Lei Maria da Penha. Assim, ainda que as medidas protetivas necessitem ser concedidas com urgência a fim de resguardar as verdadeiras vítimas, se faz primordial para uma decisão justa, o uso do senso crítico e a busca de elementos de provas que demonstrem a efetiva necessidade de concessão das medidas protetivas pleiteadas.


Notas e Referências:

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CONJUR. Prisão em Flagrante – TJ SP regulamente audiências de guarda em até 24 horas no Estado. Disponível em: <http://bit.ly/1VBauV5>. Acesso em 01 de mar. 2015.

CUNHA, Rogério Sanches. Aplicação da Lei Maria da Penha para homens. Atualidades do Direito. Disponível em: <http://bit.ly/1SzldJM>. Acesso em 01 de set. 2014.

______; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica. 5 ed. São Paulo: RT, 2014.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 2. ed. Bahia: JusPodivim, 2014.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

PROCESSO CRIME N. XXXXX.2011.005165-2 – TJSP. O número completo não será divulgado pois se trata de processo em tramitação sob segredo de Justiça.

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SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Corações descontrolados: ciúmes, raiva, impulsividade – o jeito borderline de ser. 2 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

______. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

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SUMARIVA, Gracieli Firmino da Silva. Lei Maria da Penha e as medidas protetivas da mulher, Revista Jus Vigilantibus, 2007. Disponível em: <http://bit.ly/1VBawMO;. Acesso em 01 de set. 2014.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9 ed. Bahia: JusPodivm, 2014.

TJMG. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Atendimento a mulher. Disponível em <http://bit.ly/1SzldJS>. Acesso em 13 de dez. 2014.

– Sandra Fonseca, “As medidas protetivas concedidas pela Lei Maria da Penha como instrumento para alcançar objetivos injustos”, Empório do Direito, 16.07.2015. http://bit.ly/1SzlaOh

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