“Quase todos negros linchados nos EUA eram homens acusados de estuprar brancas.”


Fonte:   http://bit.ly/1TKvqcq  

– Carey Roberts, jornalista estadunidense, 2005.

"Quase todos negros linchados nos EUA eram homens acusados de estuprar brancas."

Você pode imaginar o governo alemão emitindo um pedido formal de desculpas pelas atrocidades cometidas pelos nazistas, mas, em seguida, deixando de fora o fato de que os judeus foram as principais vítimas?

Em 2005, o Senado dos EUA pediu desculpas por seus fracassos anteriores na aprovação da legislação anti-linchamento. A resolução foi apoiada pelos senadores liberais, como Mary Landrieu de Louisiana, Joe Biden do Delaware, entre outros. (NT:o texto foi escrito em 2005, quando Joe Biden ainda era senador)

O pedido de desculpas observa que “pelo menos 4.742 pessoas, predominantemente afro-Americanos, foram linchados nos Estados Unidos entre 1882 e 1968.”

A resolução é bem-intencionada, mas encobriu um fato essencial: praticamente todas as vítimas eram do sexo masculino, muitas das quais foram acusadas de abusar de mulheres brancas.

Não poucos homens foram sumariamente arrastados pela multidão e enforcados em uma árvore. Uma vez que a multidão se reunia, esses homens eram despojados de suas roupas e sua dignidade. Muitos tiveram seus corpos crivados de balas. Nos casos mais terríveis, tais homens eram queimados vivos numa fogueira.

A histeria que cercava esses incidentes foi alimentada pelas manchetes sensacionalistas que falavam sobre as “grandes bestas negras” e os “monstros em forma humana.” Artigos de jornal destacavam caricaturas de homens negros com apetite sexual insaciável por virgens brancas. Como Philip Dray observa em seu livro “At the Hands of Persons Unknown“, “a impressão acumulada foi que o mundo era estragado pelos negros“.

O medo de predadores sexuais masculinos atingiu o auge durante a primeira parte do século passado. Em 1910, o Congresso aprovou a Lei contra o tráfico de escravos brancos, que proibia o transporte interestadual de mulheres brancas “para fins de prostituição ou fins devassos, ou para qualquer outro propósito imoral“.

Essa lei foi utilizada para processar o campeão de boxea Jack Johnson, que levou sua namorada branca, Lucille Cameron, para Chicago supostamente por “fins imorais.” Mesmo que os dois logo se casassem, Johnson foi condenado em 1913, mas fugiu para a Europa a fim de evitar cumprir pena por um crime que ele sabia que não tinha cometido.

A histeria do estupro tornou-se um dos pontos mais inflamados nos  problemas mais amplos de relações raciais da América. Essas relações atingiram o seu ponto mais baixo durante o Verão Vermelho de 1919, quando eclodiram motins raciais em mais de 20 cidades dos EUA.

Em Washington DC, a notícia do assédio sexual à esposa de um oficial acionou a fúria de centenas de marinheiros uniformizados e de soldados que perseguiram e bateram nos homens negros que encontravam pela frente, tudo isso perante o edifício do Capitólio dos EUA. O tal estupro mais tarde acabou por ser revelado como um trote.

O assassinato de homens negros inocentes continuou assim por muitos anos.

Um desses inocentes era Emmett Till, que um dia foi até uma mercearia em Mississipi. Apenas por diversão, ele pegou na mão da caixa, uma bela jovem chamada Carolyn Bryant, e perguntou “Que tal um encontro,baby?” A srta. Bryant ficou ofendida com a insinuação e o caso logo alcançou os ouvidos de seu marido.

Uma semana depois, o corpo mutilado de Emmett Till flutuava à superfície do rio Tallahatchie. Ele havia sido baleado na têmpora direita e seu crânio tinha sido golpeado com um machado.

Isso foi em agosto de 1955. Emmett Till tinha 14 anos de idade.

Em 1991, Clarence Thomas foi nomeado para o Supremo Tribunal. Ele assumiu o cargo tendo como base uma graduação na Yale Law School (Uma das melhores – se não a melhor – escolas de Direito dos EUA) e sua ampla experiência legal. Mas então ele foi emboscado por Anita Hill, que alegou que Thomas tinha feito observações sexualmente inapropriadas para ela vários anos antes.

Sofrendo sob a alegação, Thomas se queixou ao Comitê Judiciário do Senado que ele foi vítima de “um linchamento moderno”. O sr. Thomas dizia que o medo da sexualidade masculina que alimentou o linchamento de homens negros décadas antes era a mesma histeria que agora levava as pessoas a indignar-se sobre alegação de Anita Hill.

Em 9 de junho de 2005 o senador Joe Biden introduziu a Lei da Violência Contra a Mulher, um projeto de lei que visa impedir abusos sexuais e físicos das mulheres. A leitura da proposta da lei descreve um mundo que foi estragado pelos próprios homens. Infelizmente, a lei apela para os mesmos instintos cavalheirescos dos tempos que o fanatismo em torno feminilidade virtuosa varreu o nosso país há mais de um século.

Apenas quatro dias depois, em 13 de junho, o Senado expressou suas “mais profundas condolências e o seu solene pesar” para com as vítimas de linchamento do passado e seus descendentes.

E por que a resolução do Senado se esquece de mencionar os homens em seu pedido de desculpas?

Porque a última coisa que o (então) presidenciável Biden quer é que as pessoas tracem paralelos históricos entre a Lei da Violência Contra a Mulher, que prenuncia a redução em larga escala das liberdades civis dos homens, e as injustiças que se abateram contra gerações de homens negros que foram indevidamente acusados no passado.

– Carey Roberts, “Rape hysteria, redux”, RenewAmerica, 16.08.2005. Traduzido pelo Canal do Búfalo. Original: http://bit.ly/22rQXH0

Comentários