– Mariana Brito Soares, jornalista brasileira, 2016.
Precisamos falar sobre a “cultura do estupro”, mas, primeiramente, precisamos entender o que é “cultura”.
Etimologicamente, “cultura” vem do latim e significa tratar ou cultivar algo (no sentido físico e moral). Antropologicamente, “cultura” é o conjunto de comportamentos, crenças e costumes que definem um grupo social. O Brasil é um país culturalmente rico. Sua cultura tem interferências de, pelo menos, 15 povos, desde a sua colonização. Eles influenciaram diretamente a nossa língua, a nossa literatura, a religião, a música, a arquitetura, a gastronomia e, claro, o comportamento.
Podemos dizer que muitas coisas compõem a nossa cultura. O samba e a bossa nova. O Futebol. Filas quilométricas. Carnaval e Frevo. Trânsito. Burocracia. Estacionar em vaga para deficiente. Cachaça com limão. Pizza com dois sabores. Tudo isso está enraizado.
“Tá. Mas onde o estupro entra aí?”
Aí é que tá: ele não entra. Entende? Ele não faz parte da nossa cultura como faz da cultura indiana e paquistanesa, por exemplo. Nesses lugares, não só é normal a prática de estupro como toda responsabilidade é atribuída à vitima. Aqui não. O estupro, aqui, não é aceito pela sociedade. Não é. Aliás, nem mesmo outros temidos criminosos “toleram” violência sexual contra a mulher – a exemplo, é só observar o que acontece com um estuprador quando ele chega à penitenciária.
Há, no Brasil, um repúdio consensual.
“Ah, mas e o que explica tantos estupros aqui? São muitos!”
São. Não deveria acontecer 1. Mas se queremos relacionar o estupro à cultura, que seja à cultura de impunidade. O termo “cultura do estupro” surgiu para designar uma série de práticas sociais que naturalizam a prática do estupro, mas, no Brasil, não há um culto, uma veneração, tampouco uma naturalização a isso. Há quando falamos da condição de impune. Crimes são cometidos à toa e nada se faz para que isso mude. O que explicaria, então, 60.000 homicídios por ano? Uma “cultura da morte”? Pois bem.
Quando dizemos que o estupro é algo cultural, estamos afirmando que todos nós somos condescendentes com ele. Ou, pior, que nós somos corresponsáveis. Eu não sou. Outros homens que conheço e fazem parte do meu convívio também não. E você que lê esse texto, certamente não é. Esse tipo de crime, tão cruel e covarde, é cometido apenas em razão de um caráter desumano e bestial, jamais de uma herança deixada pela nossa cultura.
“Ah, mas vai negar que nossa sociedade é machista e o comportamento masculino é tosco?”
Não. Isso é pura verdade. Mas relacionar certos comportamentos machistas à concretização de um estupro é uma atitude inconsequente. Entre assobiar pra uma mulher na rua e fazer sexo com ela de maneira forçada há um caminho longo.
O primeiro é aceitável? Não. Mas o primeiro resulta, necessariamente, no segundo? De forma alguma. Eu posso garantir, inclusive, que o homem do fiu-fiu é o mesmo que mataria um cara se o visse estuprando uma mulher. Falar em “cultura do estupro”, usando como exemplos cantadas invasivas, é banalizar o sofrimento de muitas vítimas por aí. É ridicularizar a gravidade do crime.
Há muita coisa por trás desse discurso de “cultura do estupro”. É preciso ver além. Com a melhor das intenções, queremos ajudar e, sem saber, acabamos fomentando uma pauta ideológica, não uma causa real. O mundo tá cheio de oportunista – gente que encontra no caos e na barbárie brechas para hastear suas bandeiras. Be careful.
– Mariana Brito Soares, facebook, 29/05/2016. https://www.facebook.com/marianabritosl/posts/694481840691061
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